Hoje é 29 de março de 2025, último sábado do mês de março, mês dedicado a destacar a figura da mulher em todo o mundo.
Hoje, eu vi uma reportagem no Instagram
que me fez pensar sobre o mês da mulher.
Todos sabem que a data de 8 de março é importante porque é um marco da conscientização e de reflexão sobre as lutas por direitos, apoio legal e melhores condições de vida para as mulheres. E serve para lembrar que as mulheres precisam continuar lutando apesar de muitas vezes parecer que será em vão.
Não será em vão porque estará lutando pelo seu direito de viver (viver sem violência), de existir como ser humano e mulher (e não como propriedade de alguém, e não como um saco de pancadas).
Serve também para lembrar que há esperança de conseguir justiça lembrando de exemplos da aplicação das Leis e da justiça para homens que ocupam posições de destaque, com profissões que detêm um certo status na sociedade ou poder (se a justiça foi feita em relação a eles, poderá ser feita para o seu caso e todas as outras mulheres, pelo menos deveria ser assim).
Não faltam exemplos de casos que foram denunciados na televisão:
1- o caso do Ministro Silvio Almeida que foi demitido pelo Presidente da República após ser acusado de assédio sexual, e a Ministra Anielle foi uma das vítimas. Inclusive a Ministra disse que não se pode relativizar esse tipo de conduta. E mais. Nas suas redes sociais, a Ministra Anielle escreveu que: "Tentativas de culpabilizar, desqualificar, constranger, ou pressionar vítimas a falar em momentos de dor e vulnerabilidade também não cabem, pois só alimentam o ciclo de violência".
Fonte: https://g1.globo.com/politica/noticia/2024/09/06/anielle-nota.ghtml
Para nós, pessoas "comuns", fica a reflexão óbvia de que se um ministro é demitido e investigado (indiciado) por assédio sexual, não tem como um homem "comum", "menos importante", não ser indiciado e processado. Se não for assim, é porque algo de muito errado está acontecendo para acobertá-lo.
2- o caso do agressor que é o tenente-coronel da PM Carlos Eduardo da Costa que agrediu a esposa, a Delegada Juliana Domingues, entre 2021 e 2022. (Fonte: https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2024/09/01/apanhava-de-cinto-delegada-relata-agressoes-que-sofreu-do-ex-marido-enquanto-chefiava-delegacia-de-atendimento-a-mulher.ghtml).
3- o caso que o Fantástico denunciou sobre a acusação de violência doméstica praticada pelo deputado federal Carlos Alberto da Cunha (PP-SP), virou réu por ameaçar e agredir a ex Betina Grusiecki.
(Fonte: https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2024/03/17/video-inedito-gravado-pela-ex-companheira-mostra-deputado-da-cunha-insultando-a-mulher-e-dizendo-que-iria-mata-la-veja.ghtml).
4- o caso do juiz: "Juiz acusado de violência contra a ex-mulher narrava encontros em grupo de amigos: 'Tinha escondido a calcinha dela. Não tinha como sair do quarto'".
"O Fantástico mostra as denúncias contra um juiz de São Paulo por violência física, psicológica e sexual. A vítima é a ex-mulher dele. Os repórteres Giovani Grizotti e Bruna Vieira tiveram acesso a novos vídeos e áudios, que fazem parte da investigação do Ministério Público" (...) "Novos vídeos e áudios reforçam as denúncias contra o juiz Valmir Maurici Júnior, investigado pelo Ministério Público de São Paulo por uma série de abusos contra a ex-mulher".
(Fonte: https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2023/04/03/juiz-acusado-de-violencia-contra-a-ex-mulher-narrava-encontros-em-grupo-de-amigos-tinha-escondido-a-calcinha-dela-nao-tinha-como-sair-do-quarto.ghtml).
5- o caso de um homem muito famoso no Brasil e no exterior e que mesmo assim foi denunciado e foi preso é o de João de Deus, um médium famosíssimo: "João de Deus é condenado a mais de 118 anos de prisão por crimes sexuais; condenações somam quase 500 anos". "Condenações são referentes aos crimes de estupro de vulnerável e de violação sexual mediante fraude. O médium também foi sentenciado a pagar até R$ 100 mil em indenizações às vítimas". "O médium João Teixeira de Faria, também conhecido como João de Deus, foi condenado nos três últimos processos por crimes sexuais. Nesta sexta-feira (15), o juiz Marcos Boechat Lopes Filho, da comarca de Abadiânia, sentenciou o médium a mais 118 anos de prisão, totalizando 489 anos e 4 meses de reclusão".
(Fonte: https://g1.globo.com/go/goias/noticia/2023/09/15/joao-de-deus-e-condenado-a-mais-de-118-anos-de-prisao-por-crimes-sexuais-condenacoes-somam-quase-500-anos.ghtml).
6- o caso do médico "João Paulo Casado que aparece agredindo a ex-companheira, a enfermeira Rafaella Lima, em pelo menos duas ocasiões diferentes, em vídeos em 2022". 'Vítima de médico agressor relata que ele não tinha medo de denúncias: 'Ele sempre debochava, no máximo vai pagar uma fiança'".
(Fonte:https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2023/09/17/vitima-de-medico-agressor-relata-que-ele-nao-tinha-medo-de-denuncias-ele-sempre-debochava-no-maximo-vai-pagar-uma-fianca.ghtml).
7- o caso assombroso na França: "Estuprada por mais de 70 homens sem saber: entenda o caso de Gisèle Pelicot, que chocou a França". " Por 10 anos, vítima foi dopada pelo então marido, que convidava estranhos para estuprar a mulher. Gisèle renunciou ao anonimato e exigiu tornar o processo público, causando comoção em todo o mundo".
(Fonte: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2024/12/19/estuprada-por-mais-de-70-homens-sem-saber-entenda-o-caso-de-gisele-pelicot-que-chocou-a-franca.ghtml).
"Dominique Pelicot admitiu ter drogado sua esposa e recrutado dezenas de estranhos para estuprá-la ao longo de quase uma década, implorando o perdão de sua família, ao dizer a um tribunal francês nesta terça-feira (17): “Eu sou um estuprador” (Fonte: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/frances-acusado-de-dopar-esposa-para-estupros-confessa-sou-um-estuprador/).
Na sua página, a ONU Mulheres destacou (entre outras coisas) que:
“O ano de 2025 é um momento crucial na busca global pela igualdade de gênero e pelo empoderamento das mulheres, pois marca o 30º aniversário da Declaração e Plataforma de Ação de Pequim. Adotado por 189 governos ao fim da 4ª Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em 1995 na cidade de Pequim, o documento continua sendo o instrumento mais progressista para a promoção dos direitos das mulheres e meninas em todo o mundo, contando com amplo apoio. A Plataforma orienta políticas, programas e investimentos que impactam áreas críticas de nossas vidas, como educação, saúde, paz, mídia, participação política, empoderamento econômico e eliminação da violência contra mulheres e meninas. É urgente abordar publicamente essas questões, junto com prioridades emergentes relacionadas à justiça climática e ao poder das tecnologias digitais, tendo em vista que faltam apenas cinco anos para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (...)” (ONU Mulheres, 2025).
Mas há outras informações que são
muito importantes e que não recebem destaque e não aparecem no mês de março e
no dia 8 de março nas redes sociais.
Me refiro aos alertas sobre
dificuldades/desafios que as mulheres encontram na hora que decidem denunciar
um agressor e a violência. As coisas na prática, as coisas não funcionam como são
determinadas nas leis. Muitos interesses pessoais de terceiros e de outros que
não têm nenhuma ligação com a vítima ficam entre a mulher vítima e os seus
direitos e a aplicação das leis para sua defesa, defesa da sua integridade.
Barreiras são erguidas para milhares de mulheres mundo afora, impedindo que
elas tenham seus direitos reconhecidos e aplicados.
As leis não são aplicadas da
mesma forma para todas as mulheres.
As mulheres que podem pagar por
advogados particulares têm maiores chances de se livrarem da violência e levar
o agressor para a justiça, onde ele será processado criminalmente, podendo ser
preso (dependendo do caso), terá de indenizar a vítima e se manter afastado
dela. O objetivo é acabar com a violência e impedir que ela se repita e que a
mulher possa voltar a ter uma vida normal, com liberdade de ir e vir, sem sofrimento,
uma vida mais leve.
As mulheres que não podem pagar
por advogados particulares têm de contar com a “sorte” de conseguir um atendimento
gratuito sem ter de passar por humilhações, vitimização, constrangimento.
Muitos profissionais que prestam atendimento gratuito para mulheres, apesar das
propagandas e discursos de atendimento humanizado, não prestam atendimento
humanizado, pelo contrário, muitos tratam as mulheres como mais uma, como um
número e até como nada, e há casos em que as mulheres sofrem mais violência.
Outro fato sério é que as
mulheres que não podem pagar advogados particulares têm de atender a diferentes exigências que acabam por
obrigá-las a reviver e remoer toda a violência, para diferentes tipos de
profissionais para que eles deem sua opinião sobre as vítimas e seu contexto.
Disso deriva a pergunta: se a
violência é comprovada, seja por depoimento da vítima e os indícios que ela
traz; seja porque há testemunha de que a violência foi praticada; seja porque
há vídeos, imagens, registros de ocorrência policial, documentos, por que é
necessário a opinião de pessoas que não são da polícia ou do judiciário (promotor,
juiz) sobre o fato praticado de violência contra a mulher? O mais importante não é acabar com a violência
e impedir que ela se repita na prática? E que a mulher possa voltar a ter uma
vida normal, com liberdade de ir e vir, sem sofrimento, uma vida mais leve?
Há quem diga que isso de exigirem opinião de
diferentes profissionais no caso de violência doméstica existe apenas como
cabide de empregos, para diferentes tipos de profissionais. E aí ninguém pensa
na vítima, mas na utilidade que se pode tirar do seu sofrimento.
Quando o advogado é particular, o
objetivo é garantir a aplicação das medidas protetivas previstas na Lei Maria
da Penha, afastar o agressor, proteger a vítima, defender os direitos e os
interesses da vítima mulher, e processar o agressor criminalmente para que
ele desista de perseguir a vítima.
Quando a mulher não pode pagar
advogado, a história é outra. Ela tem de fazer uma peregrinação para tentar
conseguir alguma coisa que a ajude a afastar o agressor. E nesta peregrinação,
o agressor usa seus contatos, suas amizades (muitas vezes mulheres também,
sim, porque existem mulheres que ficam contra mulheres que sofrem, existem
mulheres que riem e acham graça de vítimas de violência doméstica e defendem o
agressor), a profissão, os contatos de profissão com trocas de favores, usa seu advogado e seus conhecimentos e amigos
das diferentes esferas em que uma denúncia passa e com trocas de favores, a
coitada da vítima pode experimentar outros tipos de violência, ser difamada,
injuriada, tudo visando desacreditá-la, desmoralizá-la para acobertar o
agressor, encobrir seus crimes.
Assim, a mulher não tem chance
nenhuma de ver concretizada aquela libertação divulgada nas campanhas e
propagandas na televisão, redes sociais. Menos ainda aquela rede de apoio
tão difundida nas redes sociais, porque os direitos da Lei Maria da Penha ainda
não são para todas as mulheres.
Na prática, a negligência, o
corporativismo, a propina, a troca de favores podem ainda arruinar a vida da mulher
vítima de violência doméstica. Porque o agressor, que já machucou, feriu,
humilhou, difamou, perseguiu, nunca está satisfeito com o sofrimento da mulher
que pediu a separação, o divórcio, que não quis mais continuar casada, ou
namorando com ele. Ele quer mais e não tem vergonha de continuar a violência. Ele
quer mais e se isto pode implicar que a mulher terá de morrer. E tudo bem.
Tudo bem para ele e tudo bem para
todos que o ajudaram de uma forma ou de outra.
E tudo bem para os falsos defensores
(as) das mulheres. Afinal, o que é uma mulher, ou duas mulheres? Há milhares delas
que eles podem continuar usando para fazer campanhas, divulgar seu nome, ser eleito (seja em cargos
na comunidade, na cidade, no estado), aparecer na televisão, nos jornais como
defensores das mulheres, para obter lucro.
Quem vai perder tempo denunciando
falsos defensores(as) que lucram com o sofrimento das mulheres?
Que desafio enorme, não é?
Vamos torcer para que as pessoas
do bem, as do bem mesmo, se mobilizem e acabem com isso e que tornem o 8
de março e o mês de março em marcos para enumerar as ações reais que eliminaram
os desafios das mulheres de sobreviver com o exercício pleno de seus direitos, sem
violência e que um número maior de mulheres tenham apoio, ajuda para terem acesso
às plataformas, jornais e programas como o FANTÁSTICO na Rede Globo, que
denunciam os agressores, independente de suas profissões, ou cargos que ocupem;
independente de quem eles conhecem, de quem são seus amigos e padrinhos; independente
de quem diz que “por ele, eu ponho a minha mão no fogo”.
Aliás, o Fantástico apresentou
vários casos de violência doméstica, denunciou agressores com cargos “importantes”,
como juiz, políticos, e outras autoridades, empresário. Com isso, o Fantástico
se torna um aliado das mulheres porque encoraja toda mulher a denunciar e
cobrar que a Lei Maria da Penha seja aplicada para todas as mulheres. Afinal,
se um juiz pode ser denunciado, indiciado e processado; se um empresário rico
pode ser denunciado, indiciado e processado; se médico pode ser indiciado e
processado; se um religioso pode ser indiciado e processado; se um delegado
pode ser indiciado e processado, por que tantos outros que nem possuem
profissões e cargos tão privilegiados continuam livres, aterrorizando e perseguindo
suas vítimas?
Adeus março de 2025!
Cirlene Ferreira